sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Empreendedorismo, Emuladores e Filosofia

“Por outro lado, identificadas afinidades entre as características pessoais de empresários de sucesso, uma vez replicadas, o caminho do êxito será mais fácil para os emuladores pelo que, apesar das críticas, o estudo dos traços psicológicos dos empresários continuou a despertar o interesse dos investigadores (Johnson,1990; Shaver e Scott, 1991)”
Citação de: Virgínia Trigo - “Entre o Estado e o Mercado


Esta é daquelas questões que facilmente seria discutível numa aula de Filosofia (essa disciplina tão marginalizada que já nem sequer existe no 12º ano). Afinal, o que é que torna uma pessoa um empresário de sucesso? E será realista aspirar encontrar a resposta a esta pergunta, no contexto económico actual? Que modificações introduziria no funcionamento do mercado?

Sem me preocupar com referenciar autores (para uma informação mais completa, consultar o livro supra citado), vou pegar nesta última questão e prosseguir em ordem inversa.

Contrapondo as definições de empreendedor de Schumpeter e Kirzner, deparamo-nos com duas perspectivas interessantes. Por um lado Schumpeter define o empreendedor pela sua qualidade de inovador, encaixando-o na sua teoria de funcionamento de mercado como o elemento perturbador de uma economia, de outra forma, estática. Por outro lado, Kirzner pega na questão pela perspectiva inversa: empreendedor é aquele que identifica e explora as oportunidades inerentes ao facto da economia estar em constante desequilíbrio. Barreto acrescenta, como é citado no livro, que o empreendedor de Kirzner é o motor da economia por desempenhar este papel de vigília do mercado em busca de oportunidades.

Estas duas teorias foram as que mais me chamaram a atenção no evoluir do conceito de empreendedor/empreendedorismo, exactamente por serem quase a mesma questão vista de ângulos inversos, acabando por concluir a mesma coisa: que o empreendedor tem um papel crucial na economia, seja ele a causa do desequilíbrio ou apenas o atento observador que se aproveita dele.

Se virmos a questão deste ponto de vista, concluímos que o empreendedor só pode ter algo de único para, por si só, conseguir ser “motor” da economia ou “desequilibrá-la”, ainda que de forma positiva (depende também da quantidade de “desequilíbrio” que introduz, mas falo disso mais à frente).

Ora se o empreendedor tem um papel assim tão fulcral na economia (nomeadamente, nas emergentes, como o próprio livro refere), traçar um perfil psicológico do empreendedor revela-se de facto muito tentador. Possivelmente, um Santo Graal de todos os problemas da economia de mercado – afinal, tudo está dependente deste ser misterioso, tomador de decisões, inovador, que não tem medo de assumir riscos e tem uma grande tolerância à incerteza da envolvente e que, acima de tudo, gosta de assumir esse papel!

Mas será viável, assumindo que tal perfil é possível, desejar que seja emulado? Se o próprio Casson refere as características do empreendedor como escassas, e portanto, como vantagens competitivas, existiria alguma vantagem competitiva em tornar essas características “emuláveis”, traçando um perfil psicológico do empreendedor?

Será possível massificar o empreendedorismo? Pergunto-me se uma situação destas não aumentaria o nível de incerteza na envolvente ao ponto de a paralisar. Ou seja, dando um exemplo, imaginemos que, nesta situação de emuladores de empreendedorismo generalizada, surge a tecnologia VHS, e depois a Beta. O próprio evoluir do mercado escolheu qual a tecnologia sobrevivente. Mas se em vez de apenas duas tecnologias tivéssemos três, quatro ou cinco? Os próprios produtos dependentes (as cassetes, as televisões, etc) seriam também eles alvos de acções empreendedoras, multiplicando assim de forma quase caótica os produtos concorrentes, sem sequer dar espaço ao mercado para assimilar a inovação e a deixar entrar numa fase de maturidade.

Se o próprio empreendedorismo se massificasse, o ratio de inovação aumentaria a um ritmo ainda mais alucinante, deixando ao mercado uma margem quase ridícula para a absorver. Não esqueçamos que o empreendedor é aquele que consegue tomar decisões sobre recursos escassos e geri-los de forma a ser bem sucedido, logo, antes de mais nada, teríamos aqui um belo conflito conceptual – o perfil, emulado, do empreendedor pressupõe que todos os empreendedores sejam bem sucedidos mas o funcionamento do mercado não o permite! :)

Por fim, torna-se uma tarefa ingrata tentar definir o que é que caracteriza o empreendedor, o que é que o faz singrar, o que é que o distingue do empresário e do gestor e do comum dos mortais. O perfil do empreendedor muda com a envolvente. Quem é empreendedor hoje em Portugal poderá não o ser amanhã ou noutro país qualquer. Ser empreendedor é ver uma oportunidade que mais ninguém vê, é somar criatividade a eficiência e conseguir inovação. Identificar oportunidades pressupõe conhecer o mercado, pressupõe saber onde encontrar os recursos e pressupõe, acima de tudo, ter a enorme vontade de ser livre de tomar decisões (como sempre diz o nosso empreendedor-exemplo, Tiago Forjaz).

Assim, só posso concluir que ser empreendedor não é, de forma alguma, “emulável”, pelo menos não, num caso extremo, de forma massificada. No entanto, que as características de um empreendedor possam ser desenvolvidas, afiadas, ou "implantadas" até um certo ponto em pessoas que já tenham alguma predisposição para tal, já considero mais realista.

No entanto, a busca continua, apesar do papel do empreendedor estar, nos dias de hoje, completamente excluído dos modelos económicos (como também é citado no livro – Barreto, se não me engano) da mesma forma que a Filosofia continua desde sempre e até ao fim dos tempos, mesmo com a força que se faz para a excluir definitivamente do ensino secundário.

Por: Joana Nicolau

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sub-quê?

O Correio da Manhã (CM), não se distingue no panorama jornalístico português pelo brilhantismo da sua secção económica. Mas desta vez, o Thinkmanagent presta uma homenagem sincera ao jornal pela produção deste artigo. Na revista que acompanhava o CM do dia 30 de Dezembro encontrei esta pérola.

O autor do texto (Miguel Alexandre Ganhão, Editor executivo do CM), destaca a crise do Subprime como facto internacional do ano, num título apropriado: "Um dia a casa vem abaixo".

A explicação é clara, simples e fácil de entender. O exemplo que é introduzido torna evidente o efeito "bola de neve" que deu origem à crise. Assim, um título alternativo poderia ser "Subprime para Leigos" ou "Sub-quê?"


Aqui está o texto na íntegra.


Facto Internacional do Ano: Crédito
Um dia a casa vem abaixo

Joe Cotton trabalhava na construção civil. Com mulher e três filhos, mudara-se para a Califórnia depois da tragédia do 11 de Setembro de 2001. Com um emprego certo, aproveitou a conjuntura económica favorável criada pela Reserva Federal Americana para contrariar os efeitos dos ataques terroristas. Em 2003 os juros eram baixos (cerca de um por cento) e os bancos concediam crédito para comprar o que se quisesse.
Cotton comprou carro, casa e mobília com empréstimos bancários. Utilizava o cartão de crédito diariamente. Em 2006, o sector da construção entrou em crise e Joe perdeu o emprego. Deixou de pagar o Visa, deixou de pagar a prestação da casa. No início de 2007 colocou o imóvel à venda... o valor da casa tinha caído para metade. Joe Cotton entrou no American Home Mortgage e disse ao gerente que não podia pagar mais o empréstimo que o banco lhe tinha concedido.Por toda a América milhares de famílias seguiram o percurso da família Cotton. Milhões deixaram de pagar. Em Julho, as estatísticas davam conta de números preocupantes em relação ao chamado “crédito malparado”. Os bancos não tinham dinheiro para pagar aos seus clientes. No dia 9 de Agosto, vários fundos de investimento declaram-se incapazes de fazer face ao volume de resgates que tinham, a Wall Street começaram a chegar os primeiros sinais de que a crise era grave. Para dispersar o risco, os bancos tinham revendido os créditos concedidos a clientes com problemas de incumprimento a vários fundos de investimento, que os repassaram para as bolsas mundiais.Todos procuravam liquidez... e ninguém tinha o suficiente para emprestar. O sistema financeiro esteve à beira do colapso. Em pânico, os banqueiros viraram-se para os bancos centrais que fizeram o que era necessário; só o Banco Central Europeu (BCE) injectou no sistema financeiro 155.000 milhões de euros entre os dias 9 e 11 de Agosto.A Reserva Federal Americana (FED) foi obrigada a baixar os juros, depois de 17 aumentos consecutivos do preço do dinheiro. Apesar da pronta reacção dos vários bancos centrais, um pouco por todo o Mundo, várias instituições financeiras disseram não ter condições para pagar aos seus clientes. Um desses bancos foi o inglês Northern Rock, o quinto do Reino Unido em termos de empréstimos hipotecários que, em Setembro, teve de recorrer à reserva de emergência concedida pelo Banco de Inglaterra, o que suscitou nos seus clientes uma corrida ao levantamento de depósitos.Numa única sessão bolsista, o banco perdeu 35 por cento do seu valor. Milhares de depositantes concentraram-se em frente das várias agências bancárias, obrigando o Governo inglês a vir a público, garantir todas as poupanças dos clientes do Northern Rock.Em Portugal, o primeiro a reconhecer a gravidade do problema foi o presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Carlos Tavares afirmou : “não adianta esconder a cabeça na areia e dizer que não se passa nada. Temos um problema e é preciso saber a sua dimensão”. As palavras do “polícia da Bolsa” seguiram-se às notícias do encerramento de um fundo imobiliário gerido pelo Banco Português de Investimento (BPI) e à suspensão de três fundos geridos pelo BNP Paribas e comercializados em Portugal pelo Banco Best, Barclays e ActivoBank 7.Muitos outros fundos foram investigados pela CMVM, de modo a avaliar qual a sua exposição ao mercado “subprime” norte-americano. Os bancos aproveitaram a situação e subiram os ‘spreads’ do negócio em, praticamente, todas as vertentes. Os resgates de fundos aumentaram substancialmente, mas Vítor Constâncio veio acalmar o mercado. “Temos insistido bastante na necessidade de manter a estabilidade financeira e a rentabilidade e solidez do sistema bancário”, referiu Constâncio, acrescentando que, “momentos como este provam a importância desse objectivo”.As contas aos efeitos da crise do “subprime” ainda não chegaram ao fim. Mas, para o que der e vier, cinco grandes bancos centrais fizeram um pacto de actuação conjunta, para prevenir novos “sustos” no crédito hipotecário.