Empreendedorismo, Emuladores e Filosofia
“Por outro lado, identificadas afinidades entre as características pessoais de empresários de sucesso, uma vez replicadas, o caminho do êxito será mais fácil para os emuladores pelo que, apesar das críticas, o estudo dos traços psicológicos dos empresários continuou a despertar o interesse dos investigadores (Johnson,1990; Shaver e Scott, 1991)”
Citação de: Virgínia Trigo - “Entre o Estado e o Mercado
Esta é daquelas questões que facilmente seria discutível numa aula de Filosofia (essa disciplina tão marginalizada que já nem sequer existe no 12º ano). Afinal, o que é que torna uma pessoa um empresário de sucesso? E será realista aspirar encontrar a resposta a esta pergunta, no contexto económico actual? Que modificações introduziria no funcionamento do mercado?
Sem me preocupar com referenciar autores (para uma informação mais completa, consultar o livro supra citado), vou pegar nesta última questão e prosseguir em ordem inversa.
Contrapondo as definições de empreendedor de Schumpeter e Kirzner, deparamo-nos com duas perspectivas interessantes. Por um lado Schumpeter define o empreendedor pela sua qualidade de inovador, encaixando-o na sua teoria de funcionamento de mercado como o elemento perturbador de uma economia, de outra forma, estática. Por outro lado, Kirzner pega na questão pela perspectiva inversa: empreendedor é aquele que identifica e explora as oportunidades inerentes ao facto da economia estar em constante desequilíbrio. Barreto acrescenta, como é citado no livro, que o empreendedor de Kirzner é o motor da economia por desempenhar este papel de vigília do mercado em busca de oportunidades.
Estas duas teorias foram as que mais me chamaram a atenção no evoluir do conceito de empreendedor/empreendedorismo, exactamente por serem quase a mesma questão vista de ângulos inversos, acabando por concluir a mesma coisa: que o empreendedor tem um papel crucial na economia, seja ele a causa do desequilíbrio ou apenas o atento observador que se aproveita dele.
Se virmos a questão deste ponto de vista, concluímos que o empreendedor só pode ter algo de único para, por si só, conseguir ser “motor” da economia ou “desequilibrá-la”, ainda que de forma positiva (depende também da quantidade de “desequilíbrio” que introduz, mas falo disso mais à frente).
Ora se o empreendedor tem um papel assim tão fulcral na economia (nomeadamente, nas emergentes, como o próprio livro refere), traçar um perfil psicológico do empreendedor revela-se de facto muito tentador. Possivelmente, um Santo Graal de todos os problemas da economia de mercado – afinal, tudo está dependente deste ser misterioso, tomador de decisões, inovador, que não tem medo de assumir riscos e tem uma grande tolerância à incerteza da envolvente e que, acima de tudo, gosta de assumir esse papel!
Mas será viável, assumindo que tal perfil é possível, desejar que seja emulado? Se o próprio Casson refere as características do empreendedor como escassas, e portanto, como vantagens competitivas, existiria alguma vantagem competitiva em tornar essas características “emuláveis”, traçando um perfil psicológico do empreendedor?
Será possível massificar o empreendedorismo? Pergunto-me se uma situação destas não aumentaria o nível de incerteza na envolvente ao ponto de a paralisar. Ou seja, dando um exemplo, imaginemos que, nesta situação de emuladores de empreendedorismo generalizada, surge a tecnologia VHS, e depois a Beta. O próprio evoluir do mercado escolheu qual a tecnologia sobrevivente. Mas se em vez de apenas duas tecnologias tivéssemos três, quatro ou cinco? Os próprios produtos dependentes (as cassetes, as televisões, etc) seriam também eles alvos de acções empreendedoras, multiplicando assim de forma quase caótica os produtos concorrentes, sem sequer dar espaço ao mercado para assimilar a inovação e a deixar entrar numa fase de maturidade.
Se o próprio empreendedorismo se massificasse, o ratio de inovação aumentaria a um ritmo ainda mais alucinante, deixando ao mercado uma margem quase ridícula para a absorver. Não esqueçamos que o empreendedor é aquele que consegue tomar decisões sobre recursos escassos e geri-los de forma a ser bem sucedido, logo, antes de mais nada, teríamos aqui um belo conflito conceptual – o perfil, emulado, do empreendedor pressupõe que todos os empreendedores sejam bem sucedidos mas o funcionamento do mercado não o permite! :)
Por fim, torna-se uma tarefa ingrata tentar definir o que é que caracteriza o empreendedor, o que é que o faz singrar, o que é que o distingue do empresário e do gestor e do comum dos mortais. O perfil do empreendedor muda com a envolvente. Quem é empreendedor hoje em Portugal poderá não o ser amanhã ou noutro país qualquer. Ser empreendedor é ver uma oportunidade que mais ninguém vê, é somar criatividade a eficiência e conseguir inovação. Identificar oportunidades pressupõe conhecer o mercado, pressupõe saber onde encontrar os recursos e pressupõe, acima de tudo, ter a enorme vontade de ser livre de tomar decisões (como sempre diz o nosso empreendedor-exemplo, Tiago Forjaz).
Assim, só posso concluir que ser empreendedor não é, de forma alguma, “emulável”, pelo menos não, num caso extremo, de forma massificada. No entanto, que as características de um empreendedor possam ser desenvolvidas, afiadas, ou "implantadas" até um certo ponto em pessoas que já tenham alguma predisposição para tal, já considero mais realista.
No entanto, a busca continua, apesar do papel do empreendedor estar, nos dias de hoje, completamente excluído dos modelos económicos (como também é citado no livro – Barreto, se não me engano) da mesma forma que a Filosofia continua desde sempre e até ao fim dos tempos, mesmo com a força que se faz para a excluir definitivamente do ensino secundário.
Por: Joana Nicolau
2 comentários:
Bela retórica que aqui temos ... Demonstraste nestas escassas linhas a problemática subjacente ao conceito de empreendedor/empreendedorismo que é bastante actual e oportuno.
Os meus parabens Joana continuação de bom trabalho
João Nunes Pancadas
Obrigada pelo comentário, Pancadas :)
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